Células cerebrais chamadas de neurônios-espelho são capazes de analisar cenas e interpretar as intenções dos outros. Sandra Blakeslee escreve para o “The New York Times”:
Há 15 anos, num verão em Parma, na Itália, um macaco esperava em um laboratório que os pesquisadores voltassem do almoço. Delicados fios haviam sido implantados na região do seu cérebro que planeja e executa movimentos. Todas as vezes que o macaco agarrava ou movimentava um objeto, algumas células dessa região do cérebro disparavam e um monitor registrava um som. Um aluno de pós-graduação entrou no laboratório com uma casquinha de sorvete na mão. O macaco olhou fixamente para ele e, em seguida, algo espantoso aconteceu: quando o estudante levou a casquinha aos lábios, o monitor soou novamente – mesmo o macaco não tendo feito nenhum movimento, apenas observado o aluno.
Os pesquisadores, chefiados por Giacomo Rizzolatti, um neurocientista da Universidade de Parma, já tinham observado esse mesmo estranho fenômeno com amendoins.
As mesmas células cerebrais disparavam quando o macaco via seres humanos ou outros macacos levarem amendoins à boca ou quando ele próprio fazia isso. Os cientistas descobriram células acionadas quando o macaco quebrava a casca de um amendoim ou ouvia alguém fazê-lo. O mesmo ocorria com bananas, uvas passa e todo tipo de objetos.
"Demoramos anos para acreditar no que estávamos vendo", diz Rizzolatti.
O cérebro do macaco tem uma classe especial de células, os neurônios-espelho, que disparam quando o animal vê ou ouve uma ação e quando a executa por conta própria.
Mas, se essas descobertas, publicadas em 1996, surpreenderam a maioria dos cientistas, uma recente pesquisa deixou-os estupefatos.
Descobriu-se que os seres humanos têm neurônios-espelho muito mais perspicazes, flexíveis e altamente evoluídos do que os encontrados nos macacos, um fato que teria resultado na evolução de habilidades sociais mais sofisticadas nos seres humanos.
O cérebro humano tem múltiplos sistemas de neurônios-espelho especializados em executar e compreender não apenas as ações dos outros, mas suas intenções, o significado social do comportamento deles e suas emoções.
"Somos criaturas requintadamente sociais", diz Rizzolatti. "Os neurônios-espelho nos permitem captar a mente dos outros não por meio do raciocínio conceitual, mas pela simulação direta. Sentindo e não pensando."
A descoberta está sacudindo várias disciplinas científicas, alterando o entendimento de cultura, empatia, filosofia, linguagem, imitação, autismo e psicoterapia. E também de fatos do cotidiano.
Os neurônios-espelho revelam como as crianças aprendem, por que as pessoas gostam de determinados tipos de esporte, dança, música e arte, por que assistir a cenas de violência na mídia pode ser danoso e por que há quem goste de pornografia.
Encontradas em várias partes do cérebro, essas células disparam em resposta a cadeias de ações relacionadas a intenções.
Algumas são acionadas quando uma pessoa estende a mão para pegar um copo ou observa alguém pegar um copo; outras disparam quando a pessoa coloca o copo sobre a mesa e outras ainda quando a pessoa estende a mão para pegar uma escova de dentes e assim por diante.
Elas reagem quando alguém chuta uma bola, vê uma bola sendo chutada e diz ou ouve a palavra "chutar".
"Quando você me vê executar uma ação, você automaticamente simula a ação no seu cérebro", diz Marco Iacoboni, neurocientista da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), que estuda o tema.
"Circuitos cerebrais o inibem de se mover, mas você entende minhas ações porque tem no seu cérebro um padrão dessa ação baseado nos seus próprios movimentos."
"E, se você me ver emocionalmente aflito por ter perdido uma cesta, os neurônios-espelho do seu cérebro simulam minha aflição. Automaticamente, você sente empatia por mim porque, literalmente, sente o que estou sentindo."
Até então, os estudiosos vinham tratando a cultura como fundamentalmente separada da biologia. "Mas agora vemos que os neurônios-espelho absorvem a cultura diretamente, com cada geração ensinando a próxima por meio do convívio social, imitação e observação", completa Patricia Greenfield, psicóloga da UCLA.
"Outros animais – macacos, provavelmente, e, possivelmente, elefantes, golfinhos e cães – têm neurônios-espelho rudimentares."
Toda a linguagem é baseada em neurônios-espelho, segundo Michael Arbib, neurocientista da University of Southern California. Tal sistema, encontrado na parte frontal do cérebro, contém circuitos superpostos para a língua falada e a linguagem dos sinais.
Num artigo publicado na revista Trends em Neuroscience (Tendências na Neurociência), em março de 1998, Arbib descreve como gestos de mão e movimentos complexos da língua e dos lábios usados na formação de sentenças fazem uso do mesmo mecanismo.
Alguns cientistas acreditam que o autismo pode estar relacionado a neurônios-espelho malformados.
Estudo publicado na revista “Nature Neurosciente” (janeiro) de autoria de Mirella Dapretto, neurocientista da UCLA, revela que, embora muitas pessoas autistas consigam identificar expressões emocionais, como a tristeza no rosto de outra pessoa, e até mesmo imitar olhares tristes, não percebem o significado emocional da emoção imitada. Mesmo observando outras pessoas, não sabem como é se sentir triste, com raiva, desgostoso ou surpresa.
Por Pedro Romani